Um pequeno histórico do antigo Heliópolis

Heliópolis hoje. Foto de Gil Félix

Trecho extraído da tese de livre-docente: Heliópolis: O percurso de uma invasão (São Paulo, Dezembro de 1990) SAMPAIO, Maria Ruth Amaral

Histórico de Heliópolis

“Muitas das favelas existentes no Município de São Paulo tiveram início pela ação do próprio Poder Público Municipal que visando liberar determinadas áreas ocupadas por núcleos carentes, para a construção de obras públicas, principalmente viárias, transferia os habitantes para alojamentos provisórios, geralmente localizados em áreas pertencentes ao Estado, ao Município, ou a órgãos federais. Esses alojamentos, com frequência, de provisórios tornaram-se permanentes, e abriram caminho para o processo de ocupação do resto da área por outros barracos. Um dos mais notórios bolsões de pobreza de São Paulo, atualmente, a favela de Heliópolis-São João Clímaco, iniciou-se através desse processo.

Em 1971/72, a Prefeitura Municipal de São Paulo, através da então Secretaria do Bem Estar Social, SEBES, removeu 150 famílias da favela de Vila Prudente para alojamentos provisórios localizados em Heliópolis, região sudeste do Município, bairro do Ipiranga, em gleba de propriedades do IAPAS. Essa gleba tinha sido adquirida, em 23 de abril de 1947 pelo então Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários, IAPI, do Conde Silvio Álvares Penteado e outros, pela quantia de 17.500 mil contos de reis. O IAPI pretendia construir na área casas para residência dos associados do Instituto. Sua localização próxima a polos de concentração industrial, aliada à ausência de uma política econômica e social voltada à população de baixa renda, foram responsáveis pela rápida expansão da favela. A gleba compunha-se de “duas áreas de terreno e benfeitorias localizadas em Heliópolis, antigo Sítio do Moinho Velho, Ipiranga”. A primeira área tinha 2.703.705 m2 (dois milhões, setecentos e três mil, setecentos e cinco metros quadrados) e estendia-se até o Município de Santo André; a segunda, continua à primeira, tinha 2.360 m2 (dois mil, trezentos e sessenta metros quadrados).

As áreas confrontavam, entre outros, com os terrenos da S. A. Industrias Reunidas Francisco Matarazzo e da Cerâmica Sacomãn, situando-se em zona onde já existia concentração industrial considerável. A gleba tinha as seguintes benfeitorias e construções, que foram incluídas na transmissão: seis casas, todas térreas, de boa construção, isoladas, com área construída de sessenta e oito metros quadrados, situadas nas ruas Almirante Mariath e Siqueira Bulcão; cinco casas na rua Cel. Silva Castro, com a mesma metragem, porém geminadas. Todas essas casas tinham dois dormitórios, banheiro e cozinha. Ainda, seis casas com oitenta e cindo metros quadrados de área construída, térreas e isoladas, situadas nas ruas Siqueira Bulcão e Comandante Taylor; sete casas, com oitenta e cinco metros quadrados de área construída, na rua Almirante Oliveira Pinto; e oito casas assobradadas, todas de boa construção, com área construída de cem metros quadrados, situadas na rua Almirante Mariath. Essas casas tinham sala, três dormitórios, banheiro e cozinha, e as de cem metros quadrados de construção tinham também garagem. Um sobrado, contendo no andar térreo um armazém e nos altos uma residência, situado rua Barão do Rio da Prata, e mais um sobrado duplo, situado na rua Almirante Mariath. Segundo consta na escritura, transcrita pelo Sexto Cartório de Imóveis da Comarca de São Paulo, essas casas faziam parte do Conjunto Residencial Vila Heliópolis, que contava com 36 casas, que ocupavam lotes com áreas que variavam de 141 a 697m. Segundo testemunho de Alvaro Pinto Aguiar, essas casas, destinadas a aluguel, foram construídas pela família Álvares Penteado para dar início à ocupação do loteamento. O início deste Conjunto remonta a 5 de outubro de 1923, época em que a Condessa de Álvares Penteado requereu à Prefeitura de São Paulo o arruamento de sua propriedade, de acordo com a Lei 2611, de 20 de junho do mesmo ano, pedindo as diretrizes para a área. O terreno a arruar foi adquirido pelo finado marido da Condessa, por compra feita a José Marianno e sua mulher, com escritura lavrada em 7 de agosto de 1890, no Tabelião Antonio Archanjo Dias Baptista, e transcrita sob o número 4604. A requerente sucedeu a seu marido como proprietária desse terreno, conforme carta sentença de formal de partilha. A área a ser arruada, de acordo com o processo recebeu o n.73.343/24, era de 897.000m, dos quais 180.000m eram destinados a ruas e 90.000 m destinados a espaços livres. Em 16 de janeiro de 1925, foi lavrado o alvará, que recebeu o n. 281. Encontra-se no processo a observação de que em novembro de 1924, parte do arruamento já estava executado. Na planta do arruamento aprovado, consta o visto do Eng. Arthur Saboya, em 10/1/1925. Consta igualmente do processo “a Lei n. 3.084, de 5 de setembro de 1927, que autoriza a Prefeitura a receber da Condessa Álvares Penteado as ruas que retalham o imóvel denominado Moinho Velho, no Ypiranga, e dá outras providências”. (5)

Observa-se que na época, em 1927, eram raríssimos os arruamentos onde as doações eram feitas por escritura pública; eram comuns as aceitações por lei que aprovava o arruamento, sendo posteriormente promulgada a lei denominando os logradouros. O IAPI – Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários não cumpriu o que tinha sido previsto por ocasião da aquisição da gleba: construir ali casas para seus associados. Em novembro de 1966, de acordo com o Decreto-Lei n. 72, que unificou os diversos Institutos no INPS – Instituto Nacional de Previdência Social, a gleba passou para o IAPAS – Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social, que a partir daí vendeu ou ocupou suas várias partes. Em 1967 o IAPAS vendeu à Petrobrás-Petróleo Brasileiro S/A – uma área de 423.731m; essa área engloba parte de ruas e áreas verdes recebidas pela Prefeitura por autorização do proprietário inicial, de acordo com a Lei 3084, de 5 de setembro de 1927. Em 1976, a título de permuta, transmitiu a Raul Diederichsein uma série de pequenas áreas dentro da gleba, num total de 960m. Vendeu também a terceiros, até o ano de 1977, nove casas que faziam parte do Conjunto Habitacional Vila Heliópolis, as demais foram vendidas entre 1977 e 1985. Os compradores eram funcionários públicos estaduais e federais, químicos, motorista, advogados, viúvas etc. Em 1978, a Sabesp, através de desapropriação, ficou com parte substancial da gleba para a construção da Estação de Tratamento de Esgotos do ABC, parte do programa Sanegran, cujas obras foram paralisadas no início dos anos 80. Ainda em 1968 um novo alojamento foi implantado, desta vez para 60 famílias removidas da favela Vergueiro. Paralelamente, teve início nesta região a ação de grileiros que, além de ocupar parte da área, procederam a intensa venda de lotes. O IAPAS construiu, em parte da gleba, o Hospital de Heliópolis, inaugurado em abril de 1969, que atende aos associados do INPS.

Construiu também, na av. Almirante Delamare, o Posto de Assistência Médica, PAM, de alcance regional. Depois que a Prefeitura instalou em Heliópolis os primeiros alojamentos provisórios, novos moradores foram chegando gradativamente e construindo seus barracos nas proximidades dos alojamentos. Os próprios operários que trabalharam na construção do Hospital e do PAM acabaram ali se estabelecendo. À medida que isso ocorria, outro tipo de ocupação, a grilagem, começava a aparecer na Estrada das Lágrimas, por volta dos anos 77/78, quando o veterinário Otávio Rodrigues de Souza, morador nas vizinhanças da gleba, começou a vender lotes na rua Cônego Xavier e Estrada das Lágrimas. Mais ou menos nessa mesma ocasião, membros da família Mariano, Geraldo e Flávio, que se diziam herdeiros de parte da gleba, e outros grileiros, como os irmãos Garcia, também procederam à intensa venda de lotes. Existia uma série de campos de futebol dentro da gleba, que eram cuidadosamente guardados por seus usuários. O clima era de violência, com contínuas disputas entre invasores e grileiros. Quando o IAPAS se deu conta, a ocupação da gleba já era uma realidade, e a solução

adotada foi impetrar uma série de reintegrações de posse contra os grileiros e demais ocupantes da gleba. Data daí o início da organização da população moradora, que nessa ocasião já estava começando a reivindicar serviços de água e luz. Isso ocorreu quando o Prefeito de São Paulo era Reynaldo de Barros.

No final da década de 1970, com o agravamento da crise econômica nacional, as grandes cidades brasileiras tiveram enorme crescimento de população vivendo em habitações precárias, e em Heliópolis esse fenômeno foi igualmente registrado.

Em 1983 O IAPAS repassou a terra para o BNH, que a vendeu em 1987 à COHAB-SP. Neste período vários programas de urbanização foram feitos, mas pouca coisa concretizada.

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